Manifesto lançado por 15 mil
cientistas alerta sobre a necessidade de mais empenho e inovação para criar
soluções compatíveis com o desenvolvimento sustentável e preservar a vida na
Terra
Um grito de alerta sobre a situação temerária em que se
encontra nosso planeta foi lançado por 15 mil cientistas, de 184 países, em
novembro. O manifesto, publicado pela revista BioScience no dia 13, veio a público
durante a conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), a COP
23, ocorrida em Bonn, na Alemanha.
Segundo o documento, não há mais tempo para hesitar em
realizar mudanças profundas na gestão ambiental e tomar medidas em larga escala
para preservar a vida na Terra.
Entre as ameaças citadas que acentuam a degradação estão
o modelo de desenvolvimento econômico e o aumento da população
mundial nos últimos 25 anos. Segundo o estudo, desde 1992, quando ocorreu a Conferência das Nações Unidas para o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro (Eco-92), na qual foi criada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima (UNFCCC,
na sigla em inglês), o planeta ganhou 2 bilhões de habitantes. A projeção para 2100 é de
11 bilhões de pessoas. Em artigo publicado na Ilustríssima
em 02/10/2016, o
físico Marcelo Gleiser afirma que a terra cultivável do planeta é suficiente
para alimentar 10 bilhões de pessoas, no que se refere ao consumo de grãos –
isso com uma dieta de base vegetariana.
Em 1992, um grupo de 1.700 membros da Union of Concerned Scientists, uma
organização sem fins lucrativos dedicada ao estudo do impacto das sociedades no
mundo natural, lançou uma carta aberta ao
mundo para alertar que os seres humanos estavam “em
um curso de colisão com a natureza”.
Logo no primeiro parágrafo, o documento asseverava que a ação dos seres
humanos causava danos muitas vezes irreversíveis ao meio
ambiente: “Se não observarmos que muitas das nossas práticas atuais
colocam em risco o futuro que desejamos para a sociedade humana e os reinos
vegetais e animais, isso pode alterar o mundo vivo a ponto de ele se tornar
incapaz de sustentar a vida da maneira que conhecemos”.
Passados
25 anos, os cientistas intensificam a denúncia, ao assinarem um segundo alerta
para a humanidade. Encabeçado pelo ecologista William Ripple, da Universidade
Estadual de Oregon, nos EUA, o novo documento afirma que “a humanidade não
conseguiu fazer progressos suficientes” com relação aos desafios ambientais
previstos. “Em breve, será tarde demais para mudar o curso da nossa trajetória”,
informa o texto.
De acordo com o
coordenador das certificações AQUA-HQE e PBE-Edifica, da Fundação Vanzolini,
Manuel Carlos Reis Martins, o manifesto publicado pela BioScience é um alerta importante, pois baseia-se em fatos e
observações que demonstram o efeito deletério que nossa civilização e modo de
vida têm imposto ao meio ambiente, no qual vivemos e de cuja qualidade
dependemos como espécie não somente para sobreviver, mas para viver bem. “Em
particular, foca na depleção da camada de ozônio, que protege nossa biosfera
dos raios UV, na redução da disponibilidade de água potável por habitante, na
redução da vida marinha, nas zonas oceânicas mortas, nas perdas de áreas de
florestas, na redução da biodiversidade, nas mudanças climáticas e em todos os
efeitos do crescimento grande e desarmônico da população do mundo”, afirma o
especialista. Esse alerta está em linha com os Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável (ODS) da ONU.
Respostas aos desafios
O economista
Jeffrey Sachs, em entrevista publicada no jornal Folha de S. Paulo em 21/11/2017, afirma
que para evitar a destruição da biodiversidade e a catástrofe, o mundo precisa
cada vez mais de engenheiros. À frente dos Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável, o professor da Universidade Columbia espera que engenheiros possam
desenvolver mecanismos para cinco grandes transformações essenciais para o
futuro do planeta: mudanças na matriz energética; soluções para o cultivo da
terra com baixo impacto ambiental; meios para abrigar bilhões de cidadãos nas
cidades; o fornecimento de serviços públicos, como educação e saúde, de
qualidade; o preparo das populações para se adaptarem a uma realidade de
intensa mudança tecnológica.
Para Manuel Martins,
não basta realçar a importância da ação dos engenheiros para encontrar soluções
tecnológicas que desagravem um quadro de intensas mudanças climáticas e
sociais. “Também é fundamental uma reflexão profunda sobre o nosso modo de
vida, que nos trouxe, através da história, à situação atual, e se projeta
tenebrosamente para o futuro”, explica. “Para tanto, é preciso mobilizar
competências diversas, combinadas, de áreas como sociologia, antropologia,
economia, história, geografia, filosofia, política, ética, arquitetura, e
outras, além das engenharias.” Há que se notar que nos ODS da ONU o termo
“educação” ocorre 19 vezes, sendo duas relacionadas à educação para a
sustentabilidade, enquanto a expressão “estilos de vida” ocorre somente duas
vezes... “Podemos perceber que, de modo geral, a consciência ambiental está
aumentando genuinamente entre as pessoas, incluindo dirigentes, porém ainda estamos
longe de atingir massa crítica que desencadeie uma mudança ampla de
comportamento”, acrescenta.
A contribuição das certificações
Certificações relacionadas à sustentabilidade, como
a ISO 14001 e o AQUA-HQE – Alta Qualidade Ambiental, desempenham papel relevante no esforço do desenvolvimento sustentável,
já que reconhecem, por meio de avaliação rigorosa e sistemática, os
resultados obtidos pelas organizações em seus processos e produtos, incluídos
aqui o edifício e a infraestrutura urbana e territorial.
Martins ressalta ainda uma série de benefícios gerados para as
organizações que adotam esse tipo de certificação, entre eles: “A economia
gerada pela redução de perdas de matéria-prima, produtos, materiais, água,
energia e redução de resíduos nos seus processos ao longo do ciclo de vida dos
seus produtos, no ciclo da construção, que vai se inicia no planejamento e projeto”.
Além disso, há que se ressaltar a vantagem competitiva de produtos
sustentáveis, cujo desempenho é superior, com economia e conforto para
usuários. “As empresas se beneficiam pela preferência dos usuários por seus
produtos de melhor qualidade e, principalmente as pioneiras, pelo grande
interesse jornalístico das suas ações, gerando um valor substancial de free-mídia, que se reflete na imagem
pública”, acrescenta o especialista.
Em meio a esse ciclo virtuoso em formação, o meio ambiente agradece por
receber menos pressão. “Com isso, o poder público pode aplicar melhor os
recursos arrecadados do cidadão contribuinte, pela redução da necessidade de
expansão da geração e distribuição de energia e água potável, por exemplo, pelo
menor consumo das infraestruturas e edifícios sustentáveis”, complementa
Martins.
Movimento
sustentável
No âmbito da construção sustentável, um fator essencial para que esse movimento
sustentável amplie seu alcance, é a maior divulgação de resultados por todos os
agentes, começando pelos empreendedores que desenvolvem e certificam a
sustentabilidade dos seus empreendimentos. “Para auxiliar a atingir o grande
público, a Fundação Vanzolini oferece aos empreendedores que obtêm a
certificação AQUA-HQE o treinamento dos corretores que serão responsáveis pela
comercialização das unidades comerciais e residenciais dos edifícios, para que
possam realçar as medidas tomadas para maior conforto e saúde dos usuários, bem
como para menores impactos ambientais e maior economia no condomínio,
avalizados pela certificação”, exemplifica Martins.
Papel do
Estado e do sistema financeiro
Os órgãos de Estado podem contribuir muito no
esforço para salvar o planeta. Essa tomada de consciência permite criar
programas amplos que valorizem a sustentabilidade: com sensibilização, formação
e treinamento, redução de impostos e menos burocracia na aprovação de projetos
e execução de empreendimentos e produtos certificados, e reconhecimento
público. “Bancos e seguradoras também podem considerar, nas suas avaliações de
risco e consequentes taxas e tarifas, a sustentabilidade comprovada,
certificada, como já ocorre em países desenvolvidos”, acrescenta Martins.
Os engenheiros, em conformidade com a ética
profissional, têm a obrigação de trabalhar aplicando as melhores tecnologias de
projeto e construção, que hoje incluem a sustentabilidade das suas obras. “E no
campo da pesquisa devem, integrados com equipes multidisciplinares de
arquitetos e cientistas sociais, físicos, químicos, biólogos, médicos, entre
outros, buscar a inovação para a sustentabilidade, desenvolvendo soluções que
nos deem mais tempo para mudarmos nosso comportamento de vida no planeta”, esclarece
o coordenador do AQUA-HQE.
“No planejamento urbano, também é preciso mobilizar
competências multidisciplinares, desde o urbanista até o sociólogo. O que surge
de mais promissor nesse campo é o conceito de cidades inteligentes e
sustentáveis, estudado por vários grupos acadêmicos, como o Conecticidade, do
Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP”, finaliza
Martins.
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