AS CIDADES DO PASSADO
Não é de hoje que as pessoas elegeram os aglomerados urbanos como espaço para viver e trabalhar. Conheça um pouco dessa história que vai desembocar nas metrópoles atuais espalhadas pelo mundo
Qual a origem das cidades? Quando elas passaram a ganhar
terreno como espaço de vida e trabalho? Segundo o professor de Engenharia de
Produção da Poli-USP e coordenador do Conecticidade – Laboratório de Cidades, Tecnologia e
Urbanismo, Leandro Patah, as cidades começaram a se formar pela
necessidade de realizar trocas comerciais, entre outros motivos, como obter
proteção contra inimigos (por meio da construção de fortalezas e muralhas). “Começou
a fazer sentido as pessoas morarem juntas para se proteger”, diz o professor.
“Além disso, as plantações passaram a oferecer excedentes, que se transformaram
em moeda de troca. Isso tudo vai ajudando o processo de fixação das pessoas em
um espaço físico.” A organização do espaço urbano tem seus primórdios ainda na
Antiguidade, nas proximidades de rios, como o Tigre e o Eufrates, na
Mesopotâmia, o Nilo, no Egito, e o Amarelo, na China.
Já na Idade Média, Constantinopla ganhou protagonismo por servir
de ligação entre o Ocidente e o Oriente, e assim destacou-se como importante
centro comercial na época.
Localização
estratégica
Durante a Idade Média, na Europa, inúmeros aglomerados
urbanos surgiram às margens de rios para facilitar a circulação de produtos.
Além disso, o planejamento previa a construção a partir de um ponto mais alto
(como uma igreja, torre, fortificação) ao redor do qual foram se formando os
bairros. “Algumas cidades são de forma concêntrica, como Paris; outras, como na
Alemanha, são construídas a partir de uma muralha de proteção”, complementa o
Patah.
Chegando ao século 19 e avançando pelo século 20, começa a
industrialização e o comércio se intensifica, surgem os meios de transporte de
alta concentração, facilita-se a mobilidade, e as cidades passam a se conectar
com mais intensidade.
INTELIGÊNCIA A SERVIÇO DA QUALIDADE DE VIDA NAS CIDADES
Diante da perspectiva de que, em 30 anos, 70% da população mundial viva em centros urbanos, é preciso agir para buscar soluções que garantam a qualidade de vida dos cidadãos. Esse é o objetivo maior do grupo de pesquisa multidisciplinar sobre smart cities chamado Conecticidade
Foi na última década que começou a se difundir o conceito de cidade
inteligente, ou smart city. Antes disso, seria inviável pensar no emprego sistêmico
da tecnologia da informação e comunicação (TIC) na integração de itens da
gestão de uma cidade, como iluminação pública, tráfego e transporte, segurança
e defesa civil, acessibilidade e serviços à população, água e esgoto, e
vigilância sanitária.
Não é para menos. Para ter uma ideia, antes de 2005, praticamente não
existiam smartphones – pelo menos não como os entendemos hoje. O sonho de
consumo de um usuário exigente, para ler e-mails na telinha, por exemplo, era
ter um BlackBerry de última geração, embora as redes 3G ainda fossem um luxo no
mundo.
Aplicativos fundamentais para quem enfrenta a batalha do trânsito nas
grandes cidades, como o Waze, ainda não tinham dado o ar da graça, e o Google
Maps apenas estava engatinhando.
Doze anos depois, essa conjuntura avançou muito, e a tendência é
sofisticar-se cada vez mais. A boa notícia é que toda essa tecnologia, se bem
empregada, pode facilitar a vida das pessoas e contribuir em larga escala para
a qualidade de vida nos centros urbanos.
“Todo esse conjunto de tecnologias que vai ajudar as empresas a vender
mais produtos, vai ajudar as pessoas nos seus empregos, tudo isso tem de estar
a serviço de um objetivo maior, que é a qualidade de vida, para que a gente
consiga viver bem, preservar nosso planeta e ter uma continuidade econômica”,
afirma o diretor de Certificação da Fundação Vanzolini, José Joaquim do Amaral
Ferreira. Segundo o professor, trata-se de uma visão global, em que a
certificação – de sistemas de gestão, de segurança da informação, de
sustentabilidade de modo geral e em especial na área da construção civil –
desempenha um papel relevante.
O responsável pela área de desenvolvimento de negócios da certificação
AQUA-HQE, da Fundação Vanzolini, Bruno Casagrande, lembra de outros elementos que
farão de uma cidade mais, ou menos, inteligente. “Penso que, na verdade, a
smart city é a integração entre uma boa gestão de recursos, o planejamento
urbano, o uso de tecnologias, mas o cerne da coisa são as pessoas. Trata-se de
promover uma boa relação entre as pessoas e a cidade, de uma forma mais
afetuosa, inclusive”, diz o arquiteto.
Mudança de paradigma
Há cidades de vários portes: pequenas, de tamanho
médio, até chegar a megacidades, ou megalópoles. No ano de 2007, houve a
inversão do número de pessoas que moram em centros urbanos em relação aos
habitantes do campo. Atualmente, mais de 50% da população global vive em
cidades, e a previsão da Organização das Nações Unidas (ONU) é que esse número
atinja os 70% em 2050.
Um dado que define uma megacidade é uma área metropolitana com uma população total de mais de 10 milhões de pessoas. Esse parâmetro
elenca 35 megacidades no mundo, segundo estudo publicado pela revista
The Economist em
fevereiro de 2015. Nesse conjunto, São Paulo fica na 11ª
posição, com uma área metropolitana que abriga mais de 20 milhões de
habitantes, e que deve superar os 23 milhões até 2030, de acordo com a projeção
divulgada pela revista inglesa.
Esses grandes aglomerados urbanos – e outros nem tão
grandes assim – costumam padecer das mesmas dificuldades. É o que esclarece o
professor do Departamento de Engenharia de Produção da Poli-USP Leandro Patah: “Os
principais problemas das grandes cidades giram em torno de questões como desemprego, déficit habitacional, mobilidade,
ineficiência nos serviços oferecidos aos cidadãos, criminalidade, drogas, pobreza,
falta de água, riscos crescentes à saúde e stress”.
Esses problemas são menos comuns em pequenas cidades,
onde a vida é mais tranquila. “Há problemas na área de saúde, por exemplo, mas
outras questões, como mobilidade ou stress, não são representativas. Já nas
grandes cidades, é aquela complicação que a gente já sabe”, complementa o
professor.
Diante de um cenário de caos e buscando evitar o
futuro sombrio, pesquisadores do mundo todo vêm buscando soluções para garantir
a tão almejada qualidade de vida no meio urbano. Portanto, para ser considerada
inteligente, uma cidade precisa ter uma visão de desenvolvimento urbano com o objetivo de integrar múltiplas
soluções de tecnologias de informação e comunicação (TIC) de uma forma segura
para gerenciar os ativos de um município. “Ou seja, os recursos de uma cidade precisam
ser bem geridos para prover a qualidade de vida dos cidadãos”, explica Patah.
Esses ativos compreendem desde departamentos locais de TI, escolas e
bibliotecas, sistemas de transporte, hospitais, iluminação pública e usinas de
energia, estacionamentos públicos, até as redes de abastecimento de água,
serviços de coleta de lixo, limpeza de ruas e a segurança.
Grupo de pesquisa na Poli
Uma iniciativa recente que visa estudar as smart
cities teve início em 2016, no Departamento de Engenharia de Produção da
Poli-USP. Trata-se do Conecticidade – Laboratório de Cidades, Tecnologia e
Urbanismo, organizado pelos professores José Joaquim do Amaral Ferreira,
Marcelo Pessôa e Leandro Patah. O núcleo de pesquisa multidisciplinar conta ainda com a participação da
Associação Brasileira de Escritórios de Arquitetura (AsBEA), da Fundação
Vanzolini e inclui membros da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo (FAU-USP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). No
escopo do trabalho está a aplicação prática de conceitos envolvendo
planejamento urbano, automação de sistemas da cidade, big data e as cidades
conectadas.
Entre os temas de pesquisa, estão a sustentabilidade urbana, sistemas de IoT – internet of things (internet das coisas) e as possibilidades de melhoria dos serviços urbanos, tendo como foco as possíveis aplicações nas cidades brasileiras. “Estamos com o grupo funcionando desde o final do ano passado e desde então temos feito reuniões regulares”, afirma o professor Marcelo Pessôa, presidente do Conselho Curador da Fundação Vanzolini. “As cidades são muito desintegradas, a estrutura de gestão das prefeituras de uma maneira geral é muito fracionada.” Isso gera uma série de problemas, como secretarias que não se conversam, demora no atendimento à população, gestão ineficiente. E a ideia é entender como a cidade pode existir como um sistema harmônico e integrado. “Ou seja, estabelecer o que é preciso fazer para ter uma cidade bem gerenciada e que ofereça conforto, que seja agradável, com segurança e com foco no cidadão. Usando o quê? Tecnologia e gestão”, acrescenta.
Segundo o professor Joaquim Ferreira, a participação
da Diretoria de Certificação da Fundação Vanzolini no grupo colabora com o
objetivo de adotar uma visão de sistema, seja no âmbito do meio ambiente, da
responsabilidade social, seja no da segurança da informação. “De maneira que a
gente possa, juntando as peças desse quebra-cabeça chegar ao que realmente
interessa, a nossa qualidade de vida, a preservação de nosso planeta e de nossa
sociedade”, completa.
Além dos encontros mensais, o grupo já avançou no
campo da pesquisa com alunos de graduação e pós-graduação se dedicando ao tema.
Como o objetivo é enxergar a cidade sob uma visão sistêmica, “a base na
Engenharia de Produção, que pode trabalhar de forma holística o conhecimento de
várias áreas, como a engenharia elétrica, de transportes, civil, a arquitetura
e urbanismo, é uma vantagem”, detalha Patah. “E os alunos vão pesquisar
justamente isso, um modelo de visão sistêmica aplicado a uma cidade, que é um
organismo vivo.”
Os estudos avançam
Embora a constituição do grupo seja recente, os
desdobramentos da iniciativa já se fazem sentir. Um deles é uma disciplina
optativa lançada neste segundo semestre para alunos da USP.
Com o título de “Gestão Integrada de Cidades Inteligentes”, o curso do Departamento
de Engenharia de Produção será ministrado pelos professores Marcelo Pessôa,
Leandro Patah e Joaquim Ferreira. O objetivo é apresentar como as novas
tecnologias, em particular a tecnologia
da informação, podem ser utilizadas para melhorar de forma significativa
a vida e o trabalho das pessoas nos territórios urbanos.
Outro passo essencial que está em andamento é o
estabelecimento de convênios com outros centros de pesquisa no Brasil e no
mundo, além da parceria com prefeituras e a iniciativa privada.
Como se pode ver, o tema merece atenção. Acompanhe na CERT, reflexões e iniciativas sobre cidades inteligentes.
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